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5 de setembro de 2011

Síndromes Mielodisplásicas

INTRODUCAO 

      Síndromes Mielodisplásicas (SMD) são desordens oligoclonais de células-tronco hematopoiéticas caracterizadas clinica e morfologicamente por hematopoiese e dispoieses inefetivas, citopenias (que frequentemente resultam em anemia dependentes de transfusão e/ou risco aumentado de sangramento ou infecção), e grande risco de progressão para leucemia aguda.
      A incidência das SMD variam de 2,1 a 12,6 casos por 100 000 por ano, mas chega a 50 casos em 100 000 por ano na população maior que 70 anos.  SMDs incidem de novo ou pos-quimioterapia ou irradiação (relacionado a terapia; tSMD). Hematopoiese ineficaz na SMD tem sido atribuída em parte a complexa interação entre células progenitoras e o microambiente que resulta em morte apoptotica prematura de precursores das células sanguineas, o que é contra-balanceado pelo aumento proliferativo de elementos hematopoiéticos.
    Baseado em sintomas clínicos, morfológicos, números de blastos e alterações cromossômicas, a classificação da OMS reconhece varias categorias de SMD: anemia refrataria (AR), anemia refrataria com sideroblastos em anel (ARSA), anemia refrataria com excesso de blastos (AREB), citopenia refrataria com displasia multilinhagem (CRDM), CRDM e sideroblastos em anel e SMD associada a deleção isolada de 5q (síndrome 5q). Baseada na duração da sobrevida e incidência da progressão em leucemia aguda, as SMDs podem ser categorizadas em dois grupos de risco: baixo risco (SMD com deleção de 5q isolada, AR, ARSA) e alto risco (CRDM e AREB). A media de sobrevida para pacientes com AR é de 66 meses, para AREB são 6 anos, CRDM são 24-33 meses e AREB são 10-18 meses. 
     
HISTORICO

      Os diferentes tipos de SMD foram reconhecidos como entidades clínicas já em 1938 por Rhoades e Barker, primeiramente em um grande grupo de anemias refratárias (AR) a tratamento (em oposição às anemias decorrentes de carência alimentar, que respondem à reposição dos elementos em falta no organismo).
      Os pacientes portadores de AR necessitam, desta forma, de reposição transfusional dos elementos sangüíneos, como ocorre nos indivíduos com anemia aplásica (AA). Diferentemente desta, entretanto, freqüentemente a medula óssea dos indivíduos com AR é normo ou hipercelular. Apenas em pequena porcentagem dos casos a medula é hipocelular, causando problemas no diagnóstico diferencial morfológico com AA.
      Outro grupo de processos patológicos reconhecido no passado foi denominado pré-leucemia, pois eram condições que evoluiam com grande freqüência para LA; o termo “anemia pré-leucêmica” foi cunhado por Hamilton-Paterson em 1949 e “pré-leucemia” por Block e cols em 1953.  À medida que que estes dois grupos de doenças foram estudados em maior profundidade, chegou-se a uma relativa unificação de conceitos, englobando as AR e as pré-leucemias num grupo denominado síndromes mielodisplásicas (SMD).
 
PATOGENESE

      A patogênese das SMD é desconhecida. Apesar de a medula ser hipercelular no diagnostico, ela também pode ser normocelular ou, menos comumente, hipocelular. Há uma elevada taxa de apoptose dos progenitores mielodisplasicos na medula óssea, uma características da hematopoese deficiente. Considerando-se isso, é difícil compreender como os progenitores mielodisplasicos conseguem deslocar quaisquer dos progenitores normais remanescentes na medula óssea, o que sugere que as SMD devem surgir em uma situação de lesões ou depleção de células-tronco. Tanto as SMD primarias quanto as tSMD estão relacionadas com anormalidades clonais, incluindo monossomia do 5 e do 7, deleções de 5q e 7q, trissomia do 8 e deleções de 20q.

CLÍNICA

      Clinicamente, as SMD caracterizam-se por acometer preferencialmente adultos mais velhos, com média por volta dos 70 anos; o acometimento de crianças e jovens é pouco freqüente. A sintomatologia é dependente da linhagem hemopoética acometida, sendo mais freqüentes os sinais e sintomas secundários à anemia; é comum o paciente contar história de tratamento crônico e refratário a reposição de ferro e vitaminas do complexo B, ou ter tido necessidade de transfusão sangüínea prévia. História de infecções ou fenômenos hemorrágicos (petéquias, equimoses, gengivorragia, epistaxis) pode ser relatada. Porém, há casos em que o primeiro diagnóstico de um processo de insuficiência medular é feito através de um hemograma rotineiro, onde se constata uma ou mais citopenias. Nestas situações, o curso clínico é crônico e o quadro hematológico corresponde ao das AR.
 
QUADRO LABORATORIAL

      Na anemia refratária (AR) a contagem de blastos (células imaturas atípicas das linhagens hemopoéticas) na medula óssea deve ser inferior a 5%, enquanto que os blastos não devem estar presentes no sangue periférico, ou, se estiverem, não devem exceder 1% dos elementos nucleados.
      Em outro grupo de AR, o exame do mielograma revela grande número de sideroblastos em anel: é a chamada anemia refratária com sideroblastos em anel (ARSA). Na ARSA, estas células devem corresponder a pelo menos 15% dos elementos nucleados medulares. Os sideroblastos em anel são visualizados como eritroblastos contendo depósitos granulares perinucleares de ferro, formando um colar, visualizados à reação citoquímica do azul da Prússia (ou de Perls). A ARSA pode conter apenas atipias na série eritroblástica ou também nas séries granulocítica e megacariocítica. A sobrevida de 5 anos difere nos dois casos, sendo de cerca de 70% quando as atipias são isoladas na série eritróide e de 20% quando estas estão presentes nas demais séries.
      À medida que a contagem de blastos cresce na medula e no sangue periférico, temos as anemias refratárias com excesso de blastos (AREB).  Se a contagem de blastos medulares estiver entre 5 e 20% e no sangue periférico for inferior a 5%, designaremos a AR apenas como excesso de blastos. Caso os blastos medulares excedam os 20% e não ultrapassem os 30% (limite para o diagnóstico de uma LA), com blastos no sangue periférico no limite inferior a 5%, a AREB será designada como em transformação (AREB-t).
      A evolução clínica pode ser de poucos meses (na AREB-t e AREB) até alguns anos (AR e ARSA). O maior risco de desenvolvimento de LA ocorre entre a AREB-t e a AREB. A LA não é necessariamente mielóide (mais freqüente), mas pode ser linfóide ou mesmo mista. Este fato corrobora o defeito molecular em células hemopoéticas totipotentes muito primitivas. 
      Além da história clínica e do exame físico e de hemograma, o diagnóstico de SMD inclui o estudo da medula óssea (citologia, citoquímica e histologia). Nos esfregaços citológicos, além dos blastos, são observadas atipias nas três séries hemopoéticas. 
 
•    Na eritroblástica vemos a diseritropoese (sideroblastos em anel, multinucleação de elementos, fragmentação nuclear de vários tamanhos, irregularidades nos contornos nucleares e irregularidades na coloração citoplasmática.




Diseritropoese


•    Na granulocítica (disgranulopoese) podemos encontrar redução ou ausência de grânulos (hipo ou agranulação), persistência de basofilia nas células maduras, hipossegmentação nuclear (anomalia semelhante à de Pelger-Huët, também denominada pseudo-Pelger-Huët), ou hipersegmentação nuclear.

 Disgranulopoese

•    A dismegacariopoese é representada pelos micromegacariócitos (elementos anões), megacariócitos grandes mononucleados, megacariócitos com múltiplos pequenos núcleos separados, além de poderem apresentar grânulos grosseiros e anormais;


Dismegacariopoese



      O exame citoquímico pode auxiliar na definição da linhagem de algumas células atípicas ou imaturas, ou mesmo na detecção dos depósitos anômalos de ferro (sideroblastos em anel). 
      A biópsia de medula óssea auxilia na determinação da celularidade (geralmente esta encontra-se normal ou aumentada), anomalias topográficas dos elementos hemopoéticos (agrupamentos de megacariócitos atípicos, agrupamentos de elementos imaturos longe de seu local habitual, que é a trabécula óssea) e atipias de elementos isolados. No caso de tratar-se de medula óssea hipocelular, a presença de megacariócitos atípicos agrupados são forte indício de SMD hipocelular, afastando o diagnóstico de uma anemia aplásica. O exame histológico da medula óssea ajuda também a afastar causas secundárias de dismielopoese (atipias das séries hemopoéticas), como é o caso de certas infecções (como pelo vírus HIV) e infiltração por neoplasias, em particular por linfomas malignos;
 
 Histologia da SMD – A – medula óssea hipercelular com megacariocitos atípicos. B – células imaturas frequentemente apresentam localização interticial anômala (longe das trabéculas ósseas). C – disgranulopoese em maior aumento. D – SMD frequentemente apresenta baixa relação M:E pela hipercelularidade eritropoietica. E – Sideroblastos em anel vistos em cortes corados por Perls (evidenciando ferro).

      Importante ferramenta no diagnóstico das SMD é representada pela citogenética. Porquanto a ausência de anomalias citogenéticas não afaste o diagnóstico de SMD, a presença das mesmas é ponto muito favorável ao seu diagnóstico. Ainda não há um marcador citogenético específico para SMD ou para cada um de seus tipos. A presença de alterações citogenéticas múltiplas representa fator de pior prognóstico que as simples ou cariótipo normal.
 

 


Cariótipo de paciente com SMD evidenciando -7q e -20q

      Todos os dados clínicos e laboratoriais devem ser avaliados cuidadosamente em conjunto para o diagnóstico de uma SMD. Uma detalhada exclusão de causas secundárias de atipias celulares ou de citopenias deve ser levada a cabo, por vezes com prova terapêutica precedendo o diagnóstico formal (ex., através de tratamento com ferro e componentes do complexo vitamínico B);
      Neste grupo de doenças, o fígado e o baço geralmente não se apresentam aumentados, ao contrário do que ocorre nas síndromes mieloproliferativas, em especial nas crônicas. Na vigência de transformação leucêmica, os blastos podem infiltrar estes órgãos, causando hepato- e esplenomegalia. Nos casos em que ocorre esplenomegalia, o seqüestro de elementos anômalos (e não um processo proliferativo) parece ser a sua causa. Infecções decorrentes da função anômala da série mielomonocítica podem ser causa de hepatoesplenomegalia transitória. Em pacientes com histórico de transfusões sangüíneas repetidas encontra-se intensa hemossiderose nos órgãos onde o sistema mononuclear-fagocítico é proeminente (fígado, baço, linfonodos e medula óssea);
    
MORFOLOGIA
 
AR
 

A – Aspirado de medula óssea mostrando hiperplasia eritroide e diseritopoiese. B – Medula óssea hipercelular com hiperplasia eitroide proeminente.

ARSA


A – Aspirado de medula óssea mostrando hiperplasia eritroide com diseritopoiese e alterações megaloblastoides. B – Sideroblastos em anel excedem 15% de todos os precursores das células vermelhas.

CRDM







Aspirado de medula óssea com dispoese das três linhagens


AREB

 A – Aspirado de medula óssea com diseritropoese. B – Biopsia mostra medula óssea hipercelular com megacariocitose atípica e numero aumentado de blastos.

Síndrome 5q –





A – Aspirado de medula óssea revelando hematopoese de maturação nas três linhagens e megacariocitos multilobulados. B – Biopsia com megacariocitos típicos. C – Cariótipo com deleção de 5q.



REFERENCIAS

1.    http://anatpat.unicamp.br/tasmds.html
2.    Hofmann WF, Koeffler HP. Important features of myelodysplastic syndrome. Int J Hematol 2002;76 (suppl 2): 222-7.
3.    Robbins & Cotran; Patologia: Bases Patológicas das Doenças; 8ª Edição, 2009
4.    Gorczyca W; Atlas of differential diagnosis in neoplastic hemopathology. 2nd Edition. 2004




Eduardo Henrique Cunha Neves Filho
Graduando em Medicina
Universidade Federal do Ceara