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4 de agosto de 2011

Doença de Wilson

 A doença de Wilson (DW) ou degeneração hepatolenticular é uma doença genética de caráter autossômico recessivo, em que um distúrbio primário do metabolismo do cobre, localizado no fígado, leva ao acúmulo desse metal, inicialmente no hepatócito e posteriormente em diversos órgãos e tecidos, particularmente no cérebro, córnea e rins. Foi descrita pela primeira vez por Kinnear Wilson em 1912.
Aproximadamente 1 em 30.000 indivíduos é homozigoto para essa doença, sendo que os heterozigotos não a desenvolvem e não precisam ser tratados. E entres os heterozigotos 1:100 são portadores do gene da DW.
As manifestações clínicas da DW devem-se, principalmente, ao acometimento hepático e do sistema nervoso central, sendo extremamente variáveis. Habitualmente aparecem no final da infância e na adolescência. Sem tratamento, a doença evolui para insuficiência hepática, doença neuropsiquiátrica, falência hepática e morte.
As manifestações hepáticas podem variar de um quadro assintomático até casos com cirrose descompensada. Como o defeito da DW está localizado no fígado, alterações estruturais surgem, nesse órgão, anos ou mesmo décadas antes que ocorra acometimento de outros tecidos extra-hepáticos. As primeiras alterações detectadas à microscopia óptica incluem a deposição nuclear de glicogênio, moderada esteatose hepática e corpúsculos de Mallory. Alguns pacientes evoluem com um quadro histológico de hepatite crônica ativa, com infiltração de linfócitos e plasmócitos, necrose e fibrose. Com a evolução da enfermidade, gradualmente instala-se uma cirrose mista, micro e macronodular, geralmente com pouca atividade inflamatória.
  Alguns indivíduos podem se apresentar com hepatite fulminante. O cobre livre, liberado na circulação a partir dos hepatócitos lesados, passa a se acumular em diversos órgãos.
No encéfalo as estruturas mais atingidas são os gânglios da base, especialmente os núcleos lenticulares e núcleo caudado, globo pálido e o putâmen. O putâmen pode apresentar fissuras e depressões ou cavitações correspondentes às áreas de necrose. Podem também estar acometidos o córtex cerebral, a substância branca subcortical, o tálamo, o núcleo subtalâmico, a substância negra e o cerebelo. Histologicamente, conforme a gravidade do caso, as lesões podem variar de simples perda neuronal até necrose tecidual completa, com formação de cavidades contento restos celulares, vasos e macrófagos, muitos dos quais com hemossiderina. O neurópilo restante pode se mostrar esponjoso. Quase sempre, estão também presentes astrócitos de Alzheimer tipo II. Pode haver ainda, perda neuronal e cortical e glicose reativa. As anormalidades neurológicas são predominantemente motoras e representadas por distúrbios do movimento decorrentes do acometimento do circuito dos gânglios da base ou de conexões cerebelares tais como distonia, diversos tipos de tremor (postural ou de repouso), rigidez, bradicinesia, coréia, atetose, ataxia e instabilidade postural. A fala e a marcha estão freqüentemente afetadas. Os sinais e sintomas frequentemente são anormalidades motoras similares às da doença de Parkinson. Em até 20% dos casos, os pacientes podem ter sintomas exclusivamente psiquiátricos, sendo estes muito variáveis e incluindo depressão, fobias, comportamento compulsivo, agressivo ou anti-social.
Das alterações oftalmológicas na DW a mais comum e importante é o anel de Kayser-Fleisher (K-F), que se forma na superfície do limbo corneano,na membrana de Descemet. Pode estar  ausente em até cerca de 50% dos casos com manifestações exclusivamente hepáticas, de instalação na infância ou na adolescência. Como regra pode-se afirmar que nas formas neurológicas o anel de K-F está sempre presente.



                                                          
Anel de Kayser-Fleisher (K-F)


 
A DW também pode causar dano renal (nefrocalcinose, hematúria, aminoacidúria), hemólise, hipoparatireoidismo, artrite, artralgias, osteoartrose, cardiomiopatia e arritmias. Incidência aumentada de litíase biliar também é observada na DW.
Manifestações hematológicas: hiperplenismo, relacionado à hipertensão portal, e a anemia hemolítica (mediada pelo cobre ligado à superfície da hemácia), decorrente de altos níveis de cobre sérico livre.
Manifestações dermatológicas: sem gravidade, podem estar presentes sob a forma de hiperpigmentação nos membros inferiores, lúnula azulada e acantose nigricans.
Nas últimas décadas, achados radiológicos, especialmente as alterações do tronco cerebral reveladas pela ressonância magnética (RM) e conhecidas como sinais das “faces do panda” têm demonstrado significativo valor no estudo da degeneração hepatolenticular.



  Fig . RM ponderada em T2, em secção
  axial, revela a “face do panda gigante”
 no mesencéfalo (seta)



A absorção de cobre proveniente da dieta excede as quantidades diárias necessárias (a dieta normal de uma pessoa contém cerca de 2 a 5 mg de cobre por dia, sendo necessário, pois o cobre é essencial para o nosso metabolismo, apenas 0,9 mg). O excedente precisa ser eliminado; o cobre, absorvido no intestino, é transportado ao fígado ligado à albumina e à histidina, sendo avidamente removido da circulação pelos hepatócitos, que o liga à apotioneína para formar a Cu-metalotioneína ou o incorpora à ceruloplasmina, retornando à circulação, ou é excretado na bile. Os dois últimos passos estão alterados na Doença de Wilson. Na bile, o cobre liga-se a diferentes substâncias, estando associado a substâncias derivadas ou semelhantes à ceruloplasmina. Sua excreção pelos hepatócitos na bile é essencial para a manutenção da homeostase deste metal. Aparentemente o produto do gene mutado na DW está presente no aparelho de Golgi e é fundamental para o transporte do cobre através das membranas das organelas intracelulares. A ausência ou função diminuída desse gene reduz a excreção hepática de cobre e causa o acúmulo deste metal na DW.
 
A ceruloplasmina é uma glicoproteína sintetizada no fígado que contém 6 átomos de cobre por molécula. O defeito no transporte intra-celular de cobre leva a uma diminuição na incorporação de cobre na ceruloplasmina. Acredita-se que a ausência de cobre na ceruloplasmina deixe a molécula menos estável, sendo o motivo pelo qual o nível circulante de ceruloplasmina nos pacientes com doença de Wilson está diminuído.
O diagnóstico é feito pela soma dos achados clínicos e laboratoriais. É indicativo da doença, além dos sinais e sintomas expostos acima, a presença de anéis de Kayser-Fleisher na córnea, ceruloplasmina sérica baixa, concentração hepática de cobre elevada e excreção urinária de cobre elevada.
 
MACROSCOPIA



 Fígado Cirrótico



 Alteração nos putamens


 
MICROSCOPIA
 

 Biópsia hepática - núcleos glicogenados     


   Os corpúsculos de Mallory são encontrados no 
    interior dos hepatócitos sob forma de condensações 
    grosseiras de material filamentar, eosinófilas, próximas 
    ao núcleo da célula, que muitas vezes é circundada por 
    leucócitos polimorfonucleares.




GENÉTICA

O gene da DW está localizado no braço longo do cromossoma 13, locus 13ql4.3 que codifica a proteína ATP7B.  O produto desse gene é uma ATPase do tipo P, com semelhança aos transportadores bacterianos de cobre. Diversos tipos de mutações nesse gene podem causar a DW, sendo descrito mais de 40 mutações.

TRATAMENTO

1)                    Redução da gestão de cobre
2)                    Aumentar a excreção de cobre: essa é a principal forma de tratamento.
a)                    Uso de agentes quelantes
b)                    Emprego de metais que induzem balanço negativo de cobre como o zinco (sulfato ou acetato)
Deve-se seguir a dieta com baixa quantidade de cobre, principalmente nas fases iniciais da doença. Os alimentos com quantidade mais elevada de cobre são os frutos do mar, chocolate, amêndoas, café, feijão, fígado, cogumelos e soja. Contudo, a dieta isoladamente nunca é suficiente para o tratamento.

PROGNÓSTICO

A prevenção de danos permanentemente severos depende do reconhecimento e diagnóstico precoce pelo médico, seguidos de tratamento apropriado. A doença de Wilson pode ter prognóstico excelente, desde que o tratamento seja feito durante toda a vida.

REFERÊNCIAS

  1.   http://dtr2001.saude.gov.br/sas/dsra/protocolos/do_d13_00.htm
     2.       http://www.doencadewilson.org/medicos.html  

     3.       http://patologiadeorgaosesistemas.blogspot.com/2010/09/doenca-de-wilson.html

     4.       http://www.pathology.com.br/cirrosecompl.htm

Nayara Falcão Rodrigues
Acadêmica de Medicina
Liga de Patologia
Universidade Federal do Ceará


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