29 de julho de 2010

DOENÇA DE WHIPPLE

Introdução

A doença de Whipple é uma condição rara (algo em torno de 1500 casos descritos) causada pelo actinomiceto Tropheryma whipplei. Foi descrita pela primeira vez em 1907 por George Hoyt Whipple. O microorganismo, entretanto, foi identificado somente em 1992 pela técnica de PCR (polimerase chain reaction), e sua cultura foi realizada no ano 2000. O organismo cresce apenas em culturas com células; meios acelulares para a cultura de T. whipplei ainda não foram desenvolvidos. Whipple (1878-1976) morreu antes de conhecer o microorganismo causador da doença que ele mesmo descreveu.

George H. whipple, Nobel de medicina em 1934 por seu trabalho sobre o fígado no tratamento de anemia perniciosa
(http://nobelprize.org/nobel_prizes/medicine/laureates/1934/whipple-bio.html)


T. whipplei
(http://www.journalmed.de/reddyphp/image.php?id=1164&ord=0&kat=news)


A doença afeta mais comumente homens caucasianos, entre a 4ª e 6ª décadas. Fazendeiros são mais acometidos, sugerindo que a bactéria viva no solo. Pouco se sabe sobre a epidemiologia desta doença, e as taxas de prevalência no Brasil são desconhecidas.

A doença caracteriza-se por diarréia, perda de peso e má absorção. Outros sintomas extra-intestinais podem estar presentes antes mesmo do quadro intestinal, como: artrite e artralgia, febre, linfadenopatia, doenças cardíacas, pulmonares ou neurológicas.


Macroscopia

A expansão dos vilos causada pelo acúmulo de macrófagos dá uma aparência edematosa e peluda ao intestino delgado. A dilatação dos linfáticos e o acúmulo de gordura formam placas amareladas a esbranquiçadas na mucosa intestinal, que podem ser identificadas durante o procedimento endoscópico.

(Bors S, Karrenbeld A, Thijs WJ. A less common cause of diarrhea. The Netherlands Journal of Medicine 67(11): 401-402, 2009)


Microscopia

O que caracteriza a doença de Whipple é a presença de macrófagos distendidos e espumosos na lâmina própria do intestino delgado. Os lisossomos desses macrófagos estão repletos de T. whipplei e se coram pelo ácido periódico de Schiff (PAS).

O quadro clínico gastrintestinal é explicado pela obstrução causada pelo acúmulo de macrófagos na lâmina própria e nos linfonodos mesentéricos e consequente obstrução ao fluxo linfáico.

A tuberculose intestinal pode causar um aspecto histológico muito semelhante à doença de Whipple, com coloração PAS positiva. Nesses casos, torna-se de fundamental importância a coloração de Ziehl-Neelsen para bacilos álcool-ácido resistentes. Na doença de Whipple, essa coloração é negativa.



As figuras A e B mostram a lâmina própria repleta de macrófagos com T. whipplei. A figura C mostra microorganismos dentro do macrófago. A figura D mostra a morfologia da infecção por micobactérias. O diagnóstico diferencial é feito pela coloração de Ziehl-Neelsen (figura E).
(Turner JR. The gastrointestinal tract. In: Kumar V, Abbas AK, Fausto N, Aster JC. Robbins and Cotran pathologic basis of disease. 8 ed. Elsevier, 2010)



(Bors S, Karrenbeld A, Thijs WJ. A less common cause of diarrhea. The Netherlands Journal of Medicine 67(11): 401-402, 2009)




Doença de Whipple – microscopia com PAS
(http://www.pathologyoutlines.com/images/siwhipplepasd1.jpg)


Tratamento e Prognóstico

O tratamento é feito com antibióticos de amplo espectro por um curso prolongado. As recidivas são comuns.

Sem tratamento, a doença segue um curso fatal. A doença tem bom prognóstico mesmo se o diagnóstico e a terapia forem tardios. Entretanto, alterações neurológicas recorrentes traduzem mal prognóstico.


Referências

1. Bors S, Karrenbeld A, Thijs WJ. A less common cause of diarrhea. The Netherlands Journal of Medicine 67(11): 401-402; 2009.
2. Cabral VLR, Knecht D, Pego RC, Silva NCF. Symptomatic Myocardial Bridging or Cardiac Whipple’s Disease. Arq Bras Cardiol 80(3): 332-4; 2003.
3. Freeman HJ. Tropheryma whiplei infection. World J Gastroenterol 15(17): 2078-2080; 2009.
4. Murray PR, Rosenthal KS, Pfaller MA. Nocardia e bactérias relacionadas. In: Murray PR, Rosenthal KS, Pfaller MA. Microbiologia Médica. 5ed. Artmed, 2005.
5. Semrad CE, Powell DW. Abordagem ao paciente com diarréia e má absorção. In: Goldman L, Ausiello D. Cecil medicina. 23ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
6. Turner JR. The gastrointestinal tract. In: Kumar V, Abbas AK, Fausto N, Aster JC. Robbins and Cotran pathologic basis of disease. 8 ed. Elsevier, 2010.
7. http://nobelprize.org/nobel_prizes/medicine/laureates/1934/whipple-bio.html
8. http://www.journalmed.de/reddyphp/image.php?id=1164&ord=0&kat=news
9. http://www.pathologyoutlines.com/smallbowel.html#whipple
10. http://www.pathologyoutlines.com/images/siwhipplepasd1.jpg


Rodrigo Lobato
Liga de Patologia
Universidade Federal do Ceará

28 de julho de 2010

SÍNDROME DE LYNCH

Introdução

A síndrome de Lynch, ou câncer colorretal não-polipóide hereditário (HNPCC), é uma doença de caráter autossômico dominante, de alta incidência (1:2000 a 1:660), caracterizada por carcinogênese acelerada devido a defeitos em genes de reparo de DNA. É responsável por 5% dos casos de carcinoma colorretal (CCR). Entretanto, locais extracolônicos também podem ser afetados, o que torna o uso do termo síndrome de Lynch preferível ao HNPCC.

A idade média de diagnóstico é 40 anos, mais precoce que CCR esporádico. Pode haver sangramento retal, dor abdominal e obstrução intestinal. Os locais extracolônicos mais comumente afetados são o endométrio, estômago, cérebro, trato hepatobiliar, ovários, intestino delgado, pâncreas.

Esses pacientes possuem risco aumentado para transformação adenoma-carcinoma, de forma que o risco de desenvolver CCR aos 70 anos seja de 60-70%; o risco salta para 80% aos 85 anos. Para o câncer endometrial, o risco é de 30-40% aos 70 anos.

Devido à heterogeneidade fenotípica, o diagnóstico pode ser difícil. Os critérios de Amsterdã e os de Bethesda auxiliam no diagnóstico e na suspeição clínica, respectivamente, da síndrome de Lynch.


Critérios de Amsterdã II








(Rossi BM. Síndrome de Lynch. In: Brasil, Ministério da Saúde, Instituto Nacional de Câncer. Rede nacional de câncer familial: manual operacional. Rio de Janeiro: INCA, 2009)


Critérios de Bethesda


* Instabilidade de microssatélite (presença de linfócitos infiltrando o tumor, reação linfocítica Crohn-like, diferenciação mucinosa ou em anel de sinete ou padrão de crescimento medular).

(Rossi BM. Síndrome de Lynch. In: Brasil, Ministério da Saúde, Instituto Nacional de Câncer. Rede nacional de câncer familial: manual operacional. Rio de Janeiro: INCA, 2009)


Macroscopia

Geralmente acometem o colo ascendente e são sincrônicos em 18% dos casos. A proporção de metacrônicos em 10 anos é maior que no esporádico (29% Vs. 5%). Embora muitos adenomas possam estar presentes, não há polipose, o que diferencia essa síndrome da PAF.

Adenocarcinoma mucinoso (à esquerda) e viloso (à direita) do cólon ascendente
(http://www.flickr.com/photos/euthman/438990160)

Microscopia

Apresenta-se com freqüência como crescimento mal diferenciado. As células são ricas em mucina, e há um infiltrado linfocítico no tecido tumoral. Pode apresentar com um aspecto séssil serreado.


Adenocarcinoma com células em anel de sinete
(http://www.flickr.com/photos/euthman/2202231656)



Adenocarcinoma medular do cólon com intenso infiltrado linfocítico
(http://ajp.amjpathol.org/content/vol158/issue2/images/large/jh0212499001.jpeg)


Adenocarcinoma séssil serreado do cólon ascendente
(http://kathrin.unibas.ch/polyp/bilder/gross/p011-01.jpg)


Genética

Vários genes foram implicados na patogênese da síndrome de Lynch:

1. MLH1 (mutL homolog 1), no cromossomo 3p21, considerado o principal gene envolvido na doença;
2. MSH2 (mutS homolog 2), no cromossomo 2p16;
3. MLH6, no cromossomo 2p15, responsável por síndrome de Lynch atípica, que não segue os critérios de Amsterdã. Parece ter menor penetrância (na síndrome clássica, a penetrância é da ordem de 80%), e o câncer de endométrio é a manifestação mais comum de mulheres que portam esse defeito;
4. PMS (postmeiotic segregation increased) 1 e 2, respectivamente nos cromossomos 2q31-q33 e 7p22.

Os dois primeiros são responsáveis por aproximadamente 85-90% dos casos; os dois últimos, pela maioria do restante dos casos.



Referências

1.DuBois RN. Neoplasias do cólon e intestino delgado. In: Goldman L, Ausiello D. Cecil medicina. 23ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
2.Rossi BM. Síndrome de Lynch. In: Brasil, Ministério da Saúde, Instituto Nacional de Câncer. Rede nacional de câncer familial: manual operacional. Rio de Janeiro: INCA, 2009.
3.Silva FCC, Valentin MD, Ferreira FO, Carraro DM, Rossi BM. Mismatch repair genes in Lynch syndrome: a review. Sao Paulo Med J. 127(1):46-51, 2009.
4.Turner JR. The gastrointestinal tract. In: Kumar V, Abbas AK, Fausto N, Aster JC. Robbins and Cotran pathologic basis of disease. 8 ed. Elsevier, 2010.
5.http://ajp.amjpathol.org/content/vol158/issue2/images/large/jh0212499001.jpeg
6.http://kathrin.unibas.ch/polyp/bilder/gross/p011-01.jpg
7.http://www.flickr.com/photos/euthman/2202231656
8.http://www.flickr.com/photos/euthman/438990160
9.http://www.pathologyoutlines.com/colontumor.html#lynch

Rodrigo Lobato
Liga de Patologia
Universidade Federal do Ceará

21 de julho de 2010

TUMORES DO CANAL ANAL

INTRODUÇÃO
Os tumores do canal anal são neoplasias relativamente raras, mas com aumento da incidência em homens e mulheres nos últimos anos. São mais comuns no sexo feminino (4:1) e estão associados com a infecção pelo HPV em 85% dos casos. Tumores que não possuem relação com esse vírus são mais comuns em pacientes idosos.
As neoplasias da região anal podem se originar do canal anal ou da margem anal. Os sintomas mais comuns são sangramento, dor, sensação de massa, prurido, ou então os pacientes são assintomáticos em até 25% dos casos.
Fatores de risco incluem: comportamento sexual de risco, doenças sexualmente transmissíveis, câncer de colo uterino, doença de Crohn, tabagismo pesado e imunossupressão.
Os principais tumores primários do canal anal são o adenocarcinoma, o carcinoma espinocelular, o carcinoma basocelular, o carcinoma de células claras, o carcinoma de pequenas células, o melanoma e o tumor intraepitelial de células apócrinas (doença de Paget). O canal anal pode ser sede de neoplasias secundárias (metástases), sendo o câncer retal o mais freqüente a se disseminar para o essa região. Outras neoplasias que podem metastizar para o canal anal mais raramente são os tumores de pulmão, mama e rim.
Os tumores do canal anal em geral enviam metástases para reto, linfonodos inguinais superficiais e profundos, fígado e pulmões.
As neoplasias anais podem ser marcadas por colorações imunistoquímicas para citoqueratina, CEA ep53.

ADENOCARCINOMA
Raramente são tumores primários do canal anal. Em geral surgem de glândulas retais da transição entre reto e canal anal. Quando surgem do ânus, têm origem nas glândulas anais ou em duplicações anorretais congênitas. São comuns em pacientes idosos. Possuem curso indolente e se relacionam com história de fístula ou abscesso perianais refratários.
a) Macroscopia: massa gelatinosa e ulcerada.

Adenocarcinoma do Canal Anal. Referência: http://www.cancer-therapy.org/CT5B/HTML/32._Brashears_et_al,%20_261-266%20.d.htm

b) Microscopia: epitélio produtor de mucina com glândulas bem diferenciadas e encarceradas. Pode haver glândulas dilatadas e "lagos" de mucina.
Adenocarcinoma Bem Diferenciado do Canal Anal. Referência: http://cir.ncc.go.jp/cirweb/ImgDetail?LANG=E&A_CD=7&P_CD=024&LIST=DIAG&BROW=MODA&IMG_NO=04&CSNO=0094&T_MOD_CD=08300100&S_RANGE=KEY&LIST_NO=8&F_LV=70&SEL_YN=N&A_RANGE=KEY&P_RANGE=OL

CARCINOMA ESPINOCELULAR
Possui inúmeras variantes. As princiapis são: basalóide-símile, basalóide, verrucoso e mucinoso. Todos podem ser chamados de carcinoma de células escamosas. São comuns em pacientes de meia-idade, do sexo feminino (60-80%) e se apresentam com sangramento, dor ou massa palpável.
a) Macroscopia: nodulares, ulcerados, polipóides, verrucosos. Podem invadir toda a parede do órgão.

Aspecto macroscópico do carcinoma espinocelular do canal anal. O tumor é exofítico com ulceração central. Invade a linha denteada. Referência: http://www.pathconsultddx.com/pathCon/diagnosis?pii=S1559-8675%2806%2970532-0

Carcinoma escamoso do canal anal. Referência: http://www.pathconsultddx.com/pathCon/diagnosis?pii=S1559-8675%2806%2970532-0

b) Microscopia: pode ter apresentações variáveis. É comum a presença de células escamosas. Pode ocorrer diferenciação glandular.

Carcinoma de células escamosas invasivo do canal anal bem diferenciado. Referência: http://www.pathconsultddx.com/pathCon/diagnosis?pii=S1559-8675%2806%2970532-0


Carcinoma epidermóide in situ e infiltrativo do canal anal com características basalóides (basalóide-símile). Referência: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/bookshelf/br.fcgi?book=cmed&part=A26274

Carcinoma basalóide do canal anal. Referência: http://www.pathconsultddx.com/pathCon/diagnosis?pii=S1559-8675%2806%2970532-0

Carcinoma verrucoso do canal anal. Referência: http://www.pathconsultddx.com/pathCon/diagnosis?pii=S1559-8675%2806%2970266-2

CARCINOMA BASOCELULAR
Tumor muito raro da pele perianal. O principal diagnóstico diferencial é com a variante basalóide do carcinoma espinocelular.

Referência: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-98802007000300014&script=sci_arttext

Referência: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-98802007000300014&script=sci_arttext

DOENÇA DE PAGET
Tumor intraepitelial de glândulas apócrinas. Macroscopicamente se apresenta como massa ulcerada, eritematosa ou eczematosa. A microscopia mostra ninhos de glândulas com mucina no interior. Os marcadores imunoistoquímicos desse tumor são: CK7, CEA, EMA e CK20.

Doença de Paget do ânus. A lesão é ulcerada e hiperemiada. Referência: http://www.pathconsultddx.com/pathCon/diagnosis?pii=S1559-8675%2806%2970263-7

Aspecto microscópico da doença de Paget do ânus. Observe os ninhos de glândulas basais com mucina. Referência: http://www.pathconsultddx.com/pathCon/diagnosis?pii=S1559-8675%2806%2970263-7


CONCLUSÃO
O tratamento para os tumores da região anal é a excisão local. Neoplasias avançadas podem ser tratadas com radioterapia e quimioterapia. A sobrevida dos pacientes depende do estadiamento do tumor. Em geral, é em torno de 50-70%; 100% se o tumor for menor que 2cm, se for restrito a mucosa e submucosa e se for bem diferenciado.
Fatores de mau prognóstico incluem estágio avançad0, recorrência, pouca diferenciação e aneuploidia tumoral.

REFERÊNCIAS:
1. Robbins & Cotran, Patologia: Bases Patológicas das Doenças. 7ª Edição.
2. http://www.pathologyoutlines.com/
3. http://www.pathconsultddx.com
4. http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-98802007000300014&script=sci_arttext
5. http://cir.ncc.go.jp/cirweb/ImgDetail?LANG=E&A_CD=7&P_CD=024&LIST=DIAG&BROW=MODA&IMG_NO=04&CSNO=0094&T_MOD_CD=08300100&S_RANGE=KEY&LIST_NO=8&F_LV=70&SEL_YN=N&A_RANGE=KEY&P_RANGE=OL
6. http://www.cancer-therapy.org/CT5B/HTML/32._Brashears_et_al,%20_261-266%20.d.htm

Postado por:
Bruno Roberto da Silva Ferreira
Acadêmico de Medicina da UFC
Membro da Liga de Patologia da UFC